"Na
história da humanidade as cidades estiveram
presentes desde a antiguidade, porém o campo sempre concentrou grande
parte da população. Basta pensar que todo o alimento que abastecia as pessoas
vinha da agricultura e da pecuária e não existiam máquinas para realizar este
trabalho. Deste modo, os homens se
fixavam à terra para poder sobreviver. As cidades eram centros administrativos
e econômicos, isto é, os governantes e a
força militar tinham por base a cidade. As trocas comerciais também aconteciam
geralmente nestas áreas.
Vimos que as invasões
bárbaras, ocorridas desde o século III,
tornaram a vida nas cidade romanas bastante difícil. Com medo dos povos
invasores, muitos deixaram suas casas e
partiram para o campo em busca de
mais segurança. Porém, isto não
significa que as cidades desapareceram. O cristianismo,
religião de origem urbana, continuou à ocupar este espaço. Durante muito tempo
a função das cidades se resumiu em abrigar a sede do bispado, ou seja, o centro
administrativo da Igreja Católica. Outras atividades típicas das áreas urbanas permaneceram atrofiadas.
Todavia, a partir do
século X a Europa manifestou os
primeiros sinais de prosperidade. A população aumentava de 22 milhões em 950
para 55 milhões em 1350. Após as últimas
invasões (árabes, vikings e húngaros), as
guerras haviam diminuído, diminuindo também a mortandade. A agricultura, por sua vez,
passava por avanços técnicos ( rotação
trienal das culturas que evitavam o esgotamento do solo, a utilização de
moinhos de água que permitiam irrigar
melhor a plantação, o uso da charrua,
etc...) responsáveis pelo aumento da produção, o que resultou numa melhor alimentação e até num
excedente para prover uma população
que se dedicava à outras atividades (artesãos, por exemplo). Estas mudanças
somadas à influência das cidades marinhas (Veneza, Gênova e Piza), que mantinham
contato com as cidades comerciais do Oriente, apresentando um o modo de vida
mais sofisticado e atraente que o cotidiano rústico dos campo, favoreceram o
surgimento das cidades da Europa.
Portanto, a cidade para
nascer teve que ter um meio rural propício e, se possível, localizar-se nas proximidades dos entroncamentos das rotas comerciais
(pontos de intersecção das estradas por onde circulavam os mercadores
que iam e vinham do norte ao sul).
Todavia, o inverso também
favoreceu o desenvolvimento destas vilas
urbanas: os mercadores escolhiam passar
pelas cidades, em busca de pouso, comida
e de novas possibilidades de negócio. Ou simplesmente de uma taberna, local de
diversão certa: jogo comida, bebida e muita gritaria.
Embora as cidades medievais
tenham surgido nos arrabaldes das antigas cidades romanas, não havia muitas semelhanças entre elas. As funções da cidade tinham mudado, assim como a sociedade. O antigo
anfiteatro romano, palco de comédias e tragédias, de “pão e de circo”, havia
desaparecido, pois o cristianismo não via com bons olhos os prazeres terrenos.
O estádio, local de provas esportivas, perdia seu sentido, já que para a Igreja Católica o corpo, sinônimo de pecado,
não deveria ser cultuado ou exibido. Por isso também as termas (banhos
públicos) desaparecem. A praça pública deixava de ser o lugar onde os cidadãos
se encontravam para discutir sobre os
negócios da cidade (públicos ou privados), sendo ocupadas por
artistas populares, por vendedores ambulantes e pelas fogueiras da
Inquisição. O ponto de encontro passava a ser a Igreja e toda conversa, toda
leitura do mundo que se fazia ocorria de
baixo dos olhares vigilantes do clero.
“O ar das
cidades liberta”
Na cidade medieval os muros
protegiam contra os possíveis invasores, que poderiam ser desde povos estranhos
vindos de outros lugares com o objetivo de saque ou conquista ou ainda o exército comandado por um nobre cavaleiro.
Neste último caso, pelo fato das cidades ocuparem as terras de um feudo, a
possibilidade de conflito entre os citadinos e o nobre feudal estava sempre presente. Estes nobres
senhores, não contentes com os impostos pagos pelos habitantes da villa e temendo que um poder paralelo ao
seu surgisse dentro das cidades, muitas vezes apelavam para o confronto direto. Nestes casos, as
muralhas nem sempre eram eficientes, pois alguns senhores feudais tinham o seu
castelo dentro do cinturão de pedra.
Embora sobre as terras de
algum feudo, a cidade pretendia ser um mundo à parte. Livre das
hierarquias feudais, todos que ali
viviam eram considerados iguais. Um
servo fugido de um feudo, após um ano e
um dia vivendo na cidade, passava a ser
um homem livre. Por isso a cidade atraia
aqueles que insatisfeitos ou sem lugar na velha ordem buscavam um outro para
estar. Unidos numa nova forma de sobrevivência, os moradores das cidades insurgiam, muitas vezes, contra o
senhor do feudo. Revoltavam-se com a
cobrança dos impostos que os obrigava a trabalhar mais que o necessário, já que
parte do que produziam ia para o proprietário da terra. Pagavam para usar as
pontes, pagavam sobre a mercadoria que comercializavam. Pagavam e
pagavam...Afinal a cidade era ainda feudal.
Contudo, na relação com o
campo a cidade ditava as regras. Sendo ela quem consumia e
comercializava os produtos agrícolas,
terminava impondo suas condições. Comprava a baixo preço os cereais, a lã, os
lacticínios, e cobrava caro por suas
mercadorias. O sal, por exemplo, era comercializado num alto preço e só vendido
numa quantidade estipulada pelo comerciante.
Estas insurreições contra o senhor do feudo ou
contra a autoridade do bispo, os quais
julgavam-se o poder nas cidades em que residiam, levaram, em grande parte, à emancipação das cidades. Livravam-se,
assim, da opressão do nobre feudal e do representante do clero que dominavam o
local, e adquiriam, por meio da carta de franquia, o direito de comuna. A
partir daí a cidade teria seu
próprio governo e os citadinos se organizariam para administrar a urbe de acordo
com seus interesses. A partir de então a muralha tornava-se, de fato, uma fronteira concreta
com o mundo feudal, embora não um
rompimento com este. É nesta área urbana que uma nova sociedade começava a ser gestada.
E chega a crise...
Em fins do século XIII e início
do XIV, uma grave crise atingiu a Europa. E foi justamente nas cidades onde
os primeiros sinais manifestaram-se. O
comércio parou de crescer, a construção das catedrais cessou e a moeda
tornou-se insuficiente para atender as trocas. A origem desta crise esteve na
própria dinâmica da economia comercial. Com o aumento e a diversificação dos negócios,
as regras impostas pelas guildas eram
um entrave para o desenvolvimento
e propagação do comércio. Todavia, além destes problemas, um período de grande
instabilidade climática venho acentuar as dificuldades.
No início do século XIV o excesso de chuva foi responsável
pelas más colheitas. Pouca oferta, aumento dos preços e fome generalizada foi o
resultado destas intempéries. A própria forma de extrair o sustento dos campos
também se alterou. Com o desenvolvimento do setor têxtil, muitos proprietários
de terras deixaram de lado a agricultura,
transformando-se em criadores de ovelhas. Deste modo, não só a produção de alimentos diminuiu como também a
mão de obra empregada. Não foram poucos os camponeses que seguiram para as cidades, aumentando ainda
mais o grupo dos famintos que mendigavam pelas ruas.
Com a alimentação
escassa, a resistência física era quase nenhuma, o que facilitou a instalação e a
propagação da peste negra, doença que chegava à Europa através das rotas comerciais com o Oriente. Esta doença era propagada pelos ratos, hospedeiros das pulgas transmissoras da doença, que
alcançavam a cidade e encontravam aí um meio fértil para procriarem. Além da
concentração de população, as condições de higiene na cidade medieval eram absolutamente precárias. Sendo assim, esta epidemia
alastrou-se com rapidez e provocou muitas mortes.
A crise transformou-se em catástrofe. Em dois anos
(1348-1350) um terço de toda a população desapareceu. Em decorrência da miséria
reinante, conflitos eclodiram nas cidades e nos campos. Uma das mais conhecidas
foi a Jacquerie, revolta camponesa
ocorrida no ano de 1357 na França.
O resultado desta depressão foi uma série de mudanças que
se configurariam nas décadas e século seguinte. O fortalecimento do poder real
e o surgimento do Estado foram as mais
importantes. Com as cidades enfraquecidas e com os senhores feudais esmorecidos
O rei voltava a reinar alterando a política, a economia e a sociedade da época."
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