domingo, 17 de fevereiro de 2013

Renascimento urbano e comercial (Terceiro Ano)

O texto abaixo foi escrito pela minha amiga Tânia Garcia, hoje professora de História na Unesp de Assis, quando inventamos de escrever um livro didático. O projeto não foi muito longe porque nos desentendemos com a editora, mas os textos que produzimos ainda nos são úteis... Aqui, uma explicação bacana sobre o renascimento urbano na Baixa Idade Média:


            "Na história da humanidade as cidades estiveram  presentes desde a antiguidade, porém o campo sempre concentrou grande parte da população. Basta pensar que todo o alimento que abastecia as pessoas vinha da agricultura e da pecuária e não existiam máquinas para realizar este trabalho. Deste modo,  os homens se fixavam à terra para poder sobreviver. As cidades eram centros administrativos e econômicos, isto é, os governantes e  a força militar tinham por base a cidade. As trocas comerciais também aconteciam geralmente  nestas áreas.

Vimos que as invasões bárbaras, ocorridas desde o século III,  tornaram a vida nas cidade romanas bastante difícil. Com medo dos povos invasores, muitos deixaram suas casas e  partiram para o campo em busca de  mais segurança. Porém,  isto não significa que as cidades desapareceram. O cristianismo, religião de origem urbana, continuou à ocupar este espaço. Durante muito tempo a função das cidades se resumiu em abrigar a sede do bispado, ou seja, o centro administrativo da Igreja Católica. Outras atividades típicas das áreas  urbanas permaneceram atrofiadas.
Todavia, a partir do século X a Europa manifestou os primeiros sinais de prosperidade. A população aumentava de 22 milhões em 950 para 55 milhões em 1350. Após as últimas  invasões (árabes, vikings e húngaros), as  guerras haviam diminuído, diminuindo também  a mortandade. A agricultura, por sua vez, passava por avanços técnicos ( rotação trienal das culturas que evitavam o esgotamento do solo, a utilização de moinhos de água que permitiam irrigar melhor a plantação, o uso da charrua, etc...) responsáveis pelo aumento da produção, o que  resultou numa melhor alimentação e até num excedente para prover uma população que se dedicava à outras atividades (artesãos, por exemplo). Estas mudanças somadas à influência das cidades marinhas (Veneza, Gênova e Piza), que mantinham contato com as cidades comerciais do Oriente, apresentando um o modo de vida mais sofisticado e atraente que o cotidiano rústico dos campo, favoreceram o surgimento das cidades da Europa.

Portanto, a cidade para nascer teve que ter um meio rural propício e, se possível,   localizar-se nas proximidades  dos entroncamentos das rotas comerciais (pontos de intersecção das  estradas por onde circulavam os mercadores que iam e vinham do norte ao sul).  Todavia, o inverso  também favoreceu  o desenvolvimento destas vilas urbanas: os mercadores escolhiam passar pelas cidades, em busca de pouso, comida e de novas possibilidades de negócio. Ou simplesmente de uma taberna, local de diversão certa: jogo comida, bebida e muita gritaria.
Embora as cidades medievais tenham surgido nos arrabaldes  das antigas cidades romanas, não havia muitas semelhanças entre elas. As funções da cidade tinham  mudado, assim como a sociedade. O antigo anfiteatro romano, palco de comédias e tragédias, de “pão e de circo”, havia desaparecido, pois o cristianismo não via com bons olhos os prazeres terrenos. O estádio, local de provas esportivas, perdia seu sentido, já que para  a Igreja Católica o corpo, sinônimo de pecado, não deveria ser cultuado ou exibido. Por isso também as termas (banhos públicos) desaparecem. A praça pública deixava de ser o lugar onde os cidadãos se encontravam para  discutir sobre os negócios da cidade (públicos ou privados), sendo  ocupadas por  artistas populares, por vendedores ambulantes e pelas fogueiras da Inquisição. O ponto de encontro passava a ser a Igreja e toda conversa, toda leitura do mundo que se fazia  ocorria de baixo dos olhares vigilantes do clero. 


“O ar das cidades liberta”
Na cidade medieval os muros protegiam contra os possíveis invasores, que poderiam ser desde povos estranhos vindos de outros lugares com o objetivo de saque ou conquista ou ainda o  exército comandado por um nobre cavaleiro. Neste último caso, pelo fato das cidades ocuparem as terras de um feudo, a possibilidade de conflito entre os citadinos e o nobre  feudal estava sempre presente. Estes nobres senhores, não contentes com os impostos pagos pelos habitantes da villa e temendo que um poder paralelo ao seu surgisse dentro das cidades, muitas vezes apelavam para o confronto direto. Nestes casos, as muralhas nem sempre eram eficientes, pois alguns senhores feudais tinham o seu castelo dentro do cinturão de pedra.
  
Embora sobre as terras de algum feudo, a cidade pretendia ser um mundo à parte. Livre das hierarquias  feudais, todos que ali viviam eram considerados  iguais. Um servo fugido de um feudo, após um ano e um dia vivendo na cidade, passava a ser um homem livre. Por isso a cidade atraia aqueles que insatisfeitos ou sem lugar na velha ordem buscavam um outro para estar. Unidos numa nova forma de sobrevivência, os moradores das cidades insurgiam, muitas vezes, contra o senhor do feudo. Revoltavam-se  com a cobrança dos impostos que os obrigava a trabalhar mais que o necessário, já que parte do que produziam ia para o proprietário da terra. Pagavam para usar as pontes, pagavam sobre a mercadoria que comercializavam. Pagavam e pagavam...Afinal a cidade era ainda feudal.

Contudo, na relação com o campo a cidade ditava  as regras. Sendo ela quem consumia e comercializava os produtos agrícolas, terminava impondo suas condições. Comprava a baixo preço os cereais, a lã, os lacticínios, e cobrava  caro por suas mercadorias. O sal, por exemplo, era comercializado num alto preço e só vendido numa quantidade estipulada pelo comerciante.

Estas insurreições contra o senhor do feudo ou contra a autoridade do bispo, os quais  julgavam-se o poder nas cidades em que residiam,  levaram, em grande parte,  à emancipação das cidades. Livravam-se, assim, da opressão do nobre feudal e do representante do clero que dominavam o local, e adquiriam, por meio da carta de franquia,  o direito de comuna. A  partir daí a cidade teria  seu próprio governo e os citadinos se organizariam para administrar a urbe de acordo com seus interesses. A partir de então a muralha  tornava-se, de fato, uma fronteira concreta com o mundo feudal, embora  não um rompimento com este. É nesta área urbana que uma nova sociedade começava a ser gestada.

E chega a crise...
Em fins do século XIII e início do XIV, uma grave crise atingiu  a Europa. E foi justamente nas cidades onde os primeiros sinais  manifestaram-se. O comércio parou de crescer, a construção das catedrais cessou e a moeda tornou-se insuficiente para atender as trocas. A origem desta crise esteve na própria dinâmica da economia comercial. Com o aumento e a diversificação  dos negócios,  as regras impostas pelas guildas eram  um entrave  para o desenvolvimento e propagação do comércio. Todavia, além destes problemas, um período de grande instabilidade climática venho acentuar as dificuldades.

            No início do século XIV o excesso de chuva foi responsável pelas más colheitas. Pouca oferta, aumento dos preços e fome generalizada foi o resultado destas intempéries. A própria forma de extrair o sustento dos campos também se alterou. Com o desenvolvimento do setor têxtil, muitos proprietários de terras deixaram de lado a agricultura,  transformando-se em criadores de ovelhas. Deste modo, não só a  produção de alimentos diminuiu como também a mão de obra empregada. Não foram poucos os camponeses que  seguiram para as cidades, aumentando ainda mais o grupo dos famintos que mendigavam pelas ruas.

            Com a  alimentação escassa, a resistência física era quase nenhuma, o que facilitou a instalação e a propagação da peste negra, doença que chegava à Europa através  das rotas comerciais  com o Oriente. Esta doença era  propagada pelos ratos, hospedeiros das pulgas transmissoras da doença, que alcançavam a cidade e encontravam aí um meio fértil para procriarem. Além da concentração de população,  as condições de higiene  na cidade medieval eram absolutamente  precárias. Sendo assim, esta epidemia alastrou-se com rapidez e provocou muitas mortes. 

            A crise transformou-se em catástrofe. Em dois anos (1348-1350) um terço de toda a população desapareceu. Em decorrência da miséria reinante, conflitos eclodiram nas cidades e nos campos. Uma das mais conhecidas foi a Jacquerie, revolta camponesa ocorrida no ano de 1357 na França.  

            O resultado desta depressão foi uma série de mudanças que se configurariam nas décadas e século seguinte. O fortalecimento do poder real e o surgimento do Estado foram  as mais importantes. Com as cidades enfraquecidas e com os senhores feudais esmorecidos O rei voltava a reinar alterando a política, a economia e a sociedade da época."

Para pesquisar mais: 

O desenvolvimento das cidades e dos primeiros Estados (Segundo Ano)

Em sala, vimos que a partir de 3600 anos a.C., aproximadamente, as primeiras grandes civilizações orientais se desenvolveram  às margens de grandes rios, cujas águas permitiam não só a irrigação das plantações, como também a fertilidade do solo. No mapa adiante, você pode ter uma ideia dos locais onde essas civilizações se desenvolveram:

Vimos também que o surgimento dessas civilizações veio acompanhado da formação dos primeiros estados da História. É esse processo que está contado abaixo, num texto que escrevi há vários anos, para um livro didático que nunca cheguei a publicar...

"Com a descoberta da agricultura, homens e mulheres se tornavam produtores de seu próprio sustento e, em algumas comunidades, ela até suplantava em importância as atividades de caça e coleta.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com muitos os povos que viviam próximos aos rios Indo, Tigre e Eufrates, na Ásia, ou com aqueles que ocupavam as terras nas margens do rio Nilo, na África. Nessas regiões, o solo extremamente fértil próximo aos rios contrastava com a aridez das áreas mais afastadas, transformando a agricultura na sua principal atividade.

Mas a agricultura exigia que as pessoas permanecessem muito tempo num mesmo lugar, trabalhando duro. Afinal, precisavam preparar a terra e semeá-la, depois tinham que abrir canais para “puxar” e distribuir a água dos rios pela plantação, proteger os brotos novos, regar as mudas, colher os grãos, selecioná-los, secá-los e estocá-los. Que trabalhão! Além disso, a permanência prolongada num mesmo lugar deixava a comunidade mais vulnerável aos ataques de outros grupos que também desejavam ocupar as áreas férteis, sem falar da necessidade de se organizarem expedições para buscar em regiões mais afastadas produtos inexistentes no local, como madeira ou pedras.
Mas não é só! O sedentarismo e a prática da agricultura tinham ainda outras implicações: antes de se fixarem ao solo, as pessoas eram obrigadas a ter poucas crianças pequenas de cada vez, pois elas exigiam cuidados constantes e atrasavam o passo do grupo. Além disso, o nomadismo não facilitava em nada a vida das grávidas, das crianças de colo, dos velhos e dos doentes, que muitas vezes não resistiam aos caprichos da natureza e às longas jornadas. Porém, depois que os grupos humanos passaram a morar num mesmo lugar, o aumento do número de filhos era até bom porque significava mais braços para trabalhar. Velhos e doentes podiam levar uma vida menos atribulada e a oferta de alimentos era mais regular. Tudo isso colaborou para que a população das aldeias crescesse assustadoramente.

Só que era gente demais vivendo no mesmo espaço! Os conflitos dentro do grupo e as disputas pelas melhores terras acirraram-se, impondo a necessidade de se fixarem regras para a comunidade e de se estabelecer uma autoridade que pudesse pô-las em prática. Ao mesmo tempo, sobravam braços para trabalhar na agricultura, o que permitia que uma parte das pessoas se dedicasse a outras atividades e até se especializasse nelas, desde que tivesse assegurado o acesso ao alimento produzido pelos demais.
Proteger a comunidade, organizar expedições comerciais, mediar conflitos, distribuir alimentos...O cumprimento de tantas responsabilidades aumentou a importância e a autoridade das famílias líderes da comunidade e dos chefes de aldeia que, com o passar do tempo, tornavam-se mais e mais poderosos.

Sabemos que esses poderosos chefes também controlavam a produção de alimentos na comunidade, contudo nem todos os historiadores estão de acordo sobre o quê se impôs primeiro: o controle sobre as terras e os camponeses ou a autoridade política. Alguns acham que à medida que acumulavam mais autoridade, os chefes e suas famílias tomavam para si as melhores terras; outros pensam que, ao contrário, foi justamente o controle sobre maiores extensões de terras férteis que os fez tão poderosos. O mais provável é que as duas coisas tenham acontecido ao mesmo tempo.

Seja lá como for, fato é que aquela velha igualdade entre as pessoas da aldeia foi sumindo. Algumas se tornaram mais importantes do que outras, possuindo mais terras e acumulando bens que serviam como “prova” do seu poder.
O conjunto dessas mudanças contribuiu para fazer com que as aldeias crescessem e se transformassem em populosas cidades. Foram erguidos templos para a adoração dos deuses e palácios para os governantes e seus auxiliares, além de muitas casas com tijolos e adobe, tudo firmemente protegido por resistentes muralhas. No campo, apareceram novas técnicas de cultivo: descobriu-se a roda e o arado, e abriram-se poços artificiais e canais de irrigação. A produção agrícola cresceu, permitindo que parte do alimento produzido no campo fosse estocada, comercializada e distribuída no centro urbano, entre as pessoas que se dedicavam a outras atividades como o artesanato, a metalurgia, as funções religiosas e administrativas. 

Os governantes reuniram em torno de si um corpo de auxiliares: fiscais, cobradores de impostos e artesãos especializados, sem falar nos sábios, quase sempre gente ligada à religião, que fazia desde a elaboração dos calendários agrícola e religioso até o censo e o registro das riquezas controladas pelos palácios e templos. Desses registros, nasceriam, por volta de 3 600 a.C., os primeiros sistemas de escrita

É preciso, porém, esclarecer que nem todos os povos transformaram a agricultura em sua atividade econômica central. Por exemplo, mesmo depois dela ter se difundido por largas extensões de terra do Oriente Médio, havia povos pastores que se dedicavam apenas à criação de animais. Já os povos nativos do território que hoje chamamos de Brasil, continuaram priorizando a caça, a pesca e a coleta, apesar de muitos praticarem regularmente a horticultura. Vejam o caso dos povos tupis-guaranis, que habitavam o litoral quando Cabral desembarcou aqui: eles plantavam sobretudo milho e mandioca, mas vivendo numa região farta em peixes e moluscos, caça e frutos silvestres, não dependiam do produto de suas roças. Mesmo no presente, alguns de seus descendentes como os índios Avá-Canoeiro de Goiás e Tocantins, dedicam-se quase que exclusivamente à caça e à coleta.

Portanto, em alguns lugares, como as aldeias que existiam onde hoje são o Brasil, a Itália e o Camboja, desenvolveram-se pequenas lavouras de produtos de subsistência, quer dizer, voltadas para o consumo imediato do dia a dia. Em outras partes do mundo, como no México, Egito, Índia, China e na antiga Mesopotâmia (onde atualmente estão países como Irã e Iraque), a agricultura tornou-se a principal ocupação de milhares de pessoas, produzindo quantidades enormes de grãos, suficientes para serem armazenados por longos períodos ou comercializados com povos de lugares afastados."





Para começo de conversa

Esse blog está sendo criado para auxiliar os alunos do período noturno do Colégio Friburgo a aprimorarem seus estudos. Ele será nossa principal ferramenta de apoio para as aulas. Todos os conteúdos postados aqui serão acompanhados sempre de indicação da série para a qual foi destinado (Segundo ou Terceiro Ano) e da sua finalidade. A ideia é que este seja não só um espaço de oferta de material para estudo, mas, acima de tudo, um espaço de debate e troca de ideias!!
Espero que os alunos façam bom uso dele!
Esse blog deve funcionar como a pnyx ateniense:
deve ser nossa arena de debates!!