domingo, 9 de fevereiro de 2020

SEGUNDO ANO: Atividade Roma


1. No mercado editorial ocidental, o romance histórico sempre atraiu um número significativo de leitores. Autores importantes como Umberto Eco (O Nome da Rosa), Marguerite Youcenar (Memórias de Adriano) e Gore Vidal (Criação), entre outros, viram nesse gênero literário uma excelente oportunidade para levar reflexões de cunho filosófico e/ou político ao grande público. Historiadores, como o francês Patrick Girard, também buscaram divulgar teses acadêmicas por meio da literatura. Girard é o autor de três romances históricos, traduzidos no Brasil em 2001, narrando as Guerras Púnicas a partir do ponto de vista cartaginês. Numa entrevista concedida em 2002 ao jornal O Estado de São Paulo, encontramos o seguinte diálogo:

Estadão: O senhor acredita que eles [Aníbal, Amílcar e Asdrúbal] tenham sido heróis?

Girard: Acho que foram heróis, mas penso que temos a visão do vencedor, quer dizer, a visão de Roma. E eu quis dar a visão do vencido, quer dizer, dos cartagineses. O que dizem os romanos sobre os cartagineses é assustador. Eles são, para os romanos, para todos os historiadores romanos, seres cruéis, que praticam o sacrifício humano, bárbaros, etc. Quis ver se isto correspondia efetivamente à realidade. A visão que temos quando postos do lado do vencido é muito diferente daquela do lado do vencedor; houve a mesma coisa na América; tem-se a visão do conquistador. Eu quis ver como os cartagineses eram e não como os romanos puderam descrevê-los. Por exemplo: os romanos dizem que eram horríveis aqueles cartagineses, que sacrificam crianças etc.; e quando da chegada de Aníbal à muralha de Roma, para conjurar a má sorte e o perigo, os próprios romanos enterram vivos um grego e um gaulês, sob o mercado: é um tipo de selvageria. Em todo caso é também uma questão particular, já que vivi muito tempo na Tunísia, em Cartago. (...)

Estadão: Em seus livros há muitas descrições de lugares e da vida das pessoas. Quais foram os documentos que o senhor utilizou?

Girard: Há muitos livros que descrevem Cartago. Assim, temos um bom conhecimento da civilização cartaginesa. Há um certo número de historiadores, há toda uma escola na Tunísia, a Escola de Arqueologia de Cartago, que permitiu reconstituir a vida na cidade. Muitas escavações foram feitas, desde os anos 50, na Tunísia, e permitiram reconstituir a Cartago antiga, a cidade dos fenícios e dos púnicos. Portanto, foi bastante fácil. É verdade que o que caracterizava Cartago era uma civilização essencialmente urbana e com pessoas de um grande domínio no exterior, mas que viviam essencialmente na cidade e esta era uma verdadeira colmeia com praças e ruas bem iluminadas. Isso verdadeiramente diferenciava Cartago de Roma. Os romanos, deve-se dizer, na época eram camponeses grosseiros em relação à civilização cartaginesa, bem mais refinada. Roma era uma pequena potência e foi efetivamente depois da ordem dada sobre Cartago que pôde se estender por todo o Mediterrâneo e tornar-se senhora do mundo. Caso contrário, se Aníbal tivesse ganhado sua aposta, Roma jamais teria se tornado Roma. Mas Cartago não tinha verdadeiras intenções imperialistas. Fazia comércio, mas não tinha a ideia de conquistar o mundo. Aníbal não queria destruir Roma, Roma queria destruir Cartago e Aníbal, eis a diferença.

(trecho de entrevista extraída do site www.estadao.com.br/ext/frances/patrickp.htm )

Considerando a entrevista acima e seus conhecimentos sobre a história de Roma, responda:
a. Como é possível explicar a transformação dos cartagineses em bárbaros feita pelos documentos romanos? Reflita sobre a entrevista acima e utilize seus conhecimentos de História para construir uma argumentação que sustente sua explicação.
b. Explique a seguinte afirmação do historiador francês: “se Aníbal tivesse ganhado sua aposta, Roma jamais teria se tornado Roma”.
2. Na peça Julio César, o dramaturgo inglês William Shakespeare imagina uma das cenas mais marcantes da história do teatro. Na segunda cena II do terceiro ato, Brutus e Marco Antonio discursam diante do povo, enquanto o corpo ensanguentado de César jaz ao chão. Nessa passagem, podemos perceber como se desenvolve em Roma o jogo político às vésperas do estabelecimento do Império. Leia com atenção os trechos selecionados abaixo e depois responda as questões propostas.

 
BRUTO — (...) Romanos, concidadãos e amigos! Ouvi a exposição da minha causa e fazei silêncio, para que possais ouvir. (...) Se houver alguém nesta reunião, algum amigo afetuoso de César, dir-lhe-ei que o amor que Bruto dedicava a César não era menor do que o dele. E se esse amigo, então, perguntar por que motivo Bruto se levantou contra César, eis minhas resposta: não foi por amar menos a César, mas por amar mais a Roma. Que teríeis preferido: que César continuasse com vida e vós todos morrêsseis como escravos, ou que ele morresse, para que todos vivêsseis como homens livres? Por me haver amado César, pranteio-o; por ter sido ele feliz, alegro-me; por ter sido valente, honro-o; mas por ter sido ambicioso, matei-o. Logo: lágrimas para a sua amizade, alegria para sua fortuna, honra para o seu valor e morte para a sua ambição. Haverá aqui, neste momento, alguém tão vil que deseje ser escravo? Se houver alguém nessas condições, que fale, porque o ofendi. Haverá alguém tão grosseiro para não querer ser romano? Se houver, que fale, porque o ofendi. Haverá alguém tão desprezível, que não ame sua pátria? Se houver, que fale, porque o ofendi. Faço uma pausa, para que me respondam.

CIDADÃOS — Ninguém, Bruto; ninguém.

BRUTO — Nesse caso, não ofendi ninguém. Não fiz a César se não o que faríeis a Bruto. O inquérito sobre sua morte se acha depositado no Capitólio; sua glória não foi depreciada, com referência aos seus merecimentos, não tendo sido, também, exagerados os crimes pelos quais veio a sucumbir. (Entram Antônio e outros, com o corpo de César.) Aí vem o seu corpo, chorado por Marco Antônio, que, muito embora não houvesse tomado parte em sua morte, será beneficiado por ela, pois passará a ocupar um cargo na República. Quem de vós, também, não ocupará um cargo? Despeço-me com isto: assim como matei o meu melhor amigo por amor de Roma, assim também conservarei o mesmo punhal para mim próprio, quando minha pátria necessitar que eu morra.

CIDADÃOS — Viva Bruto! Viva! Viva! (...)

PRIMEIRO CIDADÃO — Que tirano foi esse César!

TERCEIRO CIDADÃO — Justo. Para Roma, foi grande bênção ficar livre dele.

SEGUNDO CIDADÃO — Ficai quietos! Ouçamos Marco Antônio! (...)

ANTÔNIO — Concidadãos, romanos, bons amigos, concedei-me atenção. Vim para o enterro fazer de César, não para elogiá-lo. Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado. Seja assim com César. O nobre Bruto vos contou que César era ambicioso. Se ele o foi, realmente, grave falta era a sua, tendo-a César gravemente expiado. Aqui me encontro por permissão de Bruto e dos restantes — Bruto é homem honrado, como os outros; todos, homens honrados — aqui me acho para falar nos funerais de César. César foi meu amigo, fiel e justo; mas Bruto disse que ele era ambicioso, e Bruto é muito honrado. César trouxe numerosos cativos para Roma, cujos resgates o tesouro encheram. Nisso se mostrou César ambicioso? Para os gritos dos pobres tinha lágrimas. A ambição deve ser de algo mais duro. Mas Bruto disse que ele era ambicioso, e Bruto é muito honrado. Vós o vistes nas Lupercais: três vezes recusou-se a aceitar a coroa que eu lhe dava. Ambição será isso? No entretanto, Bruto disse que ele era ambicioso, sendo certo que Bruto é muito honrado. Contestar não pretendo o nobre Bruto; só vim dizer-vos o que sei, realmente. Todos antes o amáveis, não sem causa. Que é então que vos impede de chorá-lo? O julgamento! Foste para o meio dos brutos animais, tendo os humanos o uso perdido da razão. Perdoai-me; mas tenho o coração, neste momento, no ataúde de César; é preciso calar até que ao peito ele me volte.

PRIMEIRO CIDADÃO — Penso que em sua fala há muito senso.

SEGUNDO CIDADÃO — Se bem considerardes, procederam muito mal contra César.

TERCEIRO CIDADÃO — Sim, amigos? Temo que em seu lugar venha outro pior.

QUARTO CIDADÃO — Prestastes atenção no que ele disse? Recusou a coroa. Logo, é certo não ter sido ambicioso.

PRIMEIRO CIDADÃO — Isso provado, muita gente terá de pagar caro.

SEGUNDO CIDADÃO — Pobre alma! Tinha os olhos como fogo, à força de chorar.

TERCEIRO CIDADÃO — Em toda Roma não há ninguém mais nobre do que Antônio.

(Shakespeare, W. Julio César. Extraído do site www.ebooksbrasil.org/eLibris/cesar.html)

a. Explique que razões tinham os senadores para tramar o assassinato de César.

b. Em Júlio César, Shakespeare nos oferece uma visão crítica do papel desempenhado pelos cidadãos romanos ao final do período republicano. Relacione esse papel ao fortalecimento da política do pão e circo durante o período seguinte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário